sábado, 20 de junho de 2009

Caía a tarde...

Desde menina a imagem de Carlito me encanta...E hoje, um bêbado me lembrou sua figura. Ele não trajava luto, mas percebi que Carlito, ainda vive, naquele que consegue -ainda que nem perceba- fazer dos infortúnios da vida, motivo de alegria. Bravo ao vagabundo mais romântico da sétima arte.


Carlito em poesia...


Era preciso que um poeta brasileiro,não dos maiores,
porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,

(...)
Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,

vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.

(...)
Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mando por via postal ao inventor dos jardins.

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.
(...)

E já não sentimos a noite,e a morte nos evita, e diminuímos
como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos
ao país secreto onde dormem os meninos.
Já não é o escritório e mil fichas,
nem a garagem, a universidade, o alarme,
é realmente a rua abolida, lojas repletas,
e vamos contigo arrebentar vidraças,
e vamos jogar o guarda no chão,
e na pessoa humana vamos redescobrir
aquele lugar - cuidado! - que atrai os pontapés: sentenças
de uma justiça não oficial.


Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome
dos que não foram chamados à ceia celeste
ou industrial. Há ossos, há pudins
de gelatina e cereja e chocolate e nuvens
nas dobras do teu casaco. Estão guardados
para uma criança ou um cão. Pois bem conheces
a importância da comida, o gosto da carne,
o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,
e sabes a arte sutil de transformar em macarrão
o humilde cordão de teus sapatos.

Uma cega te ama.
Os olhos abrem-se.
Não, não te ama.
Um rico, em álcool,é teu amigo e lúcido repele tua riqueza.
A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,anjos desleais, cofres redondos, arquejos
poéticos acadêmicos; convenções do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricase fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficaste apenas um operário comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado
(...)

ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.
(Canto ao homem do povo:Drummod)

Um comentário:

  1. Comentar...Didícil e fácil ao mesmo tempo.Difícil por não possuir uma "bagagem"cultural...simples porém por perceber tanta sensibilidade numa só pessoa a falar sobre Carlitos.Aprendi a tb admirá-lo bastante nas buscas pela net a fora ...Os escritos dele, a sua arte, a sua poesia... É reconhecer neste homem uma alma simples e nobre.Parabéns Clarissa!
    Maravilhoso tudo o que escreveste.
    Beijo azul no coração.

    ResponderExcluir

Seguidores