domingo, 22 de agosto de 2010

As borboletas.




        

Brancas

Azuis

Amarelas

E pretas

Brincam

Na luz

As belas

Borboletas

Borboletas brancas

São alegres e francas.

Borboletas azuis

Gostam muito de luz.

As amarelinhas

São tão bonitinhas!

    E as pretas, então . . .

Oh, que escuridão!
                                                                                                                               
   (Vinícius de Moraes)


Para: Francy, Carol, New, Lala, Vinícius, Arthur, Lulu, Lili, Maria, Júlia, Lia, Clara, Paulinha, Sofia e quem mais chegar...

Todas as cartas de amor são ridículas...


Ophelinha:


Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio, porque, na verdade, a unica solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amisade inalteravel. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se attribuissem.
O Tempo, que envelhece as faces e os cabellos, envelhece tambem, mas mais depressa ainda, as affeições violentas. A maioria da gente, porque é estupida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contrahiu o habito de se sentir a amar. Se assim não fosse, naão havia gente feliz no mundo. As creaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade d'essa illusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por elle a estima, ou a gratidão, que elle deixou.Estas cousas fazem soffrer, mas o soffrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?Na sua carta é injusta para commigo, mas comprehendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com magua, mas a maioria da gente - homens ou mulheres - escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio optimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.
Quanto a mim...
O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh'as attribuisse.Não sei o que quer que lhe devolva - cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de uma passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.
Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memoria profunda do seu amor antigo e inutil.Que isto de "outras affeições" e de "outros caminhos" é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem nem perdoam.Não é necessario que comprehenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.


Fernando

29/XI/1920

(Cartas de Amor de Fernando Pessoa, Organização, posfácio e notas de David Mourão-Ferreira, Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz, Edições Ática, Lisboa 1978, pp. 131-133.)


[Adoro ler, escrever, e receber cartas. Hoje acordei com um desejo de receber a minha carta, como ela tarda em chegar, decidi postar uma das mais belas cartas que já li.Foi escrita por Fernando Pessoa a Ophélia Queiroz ( seu único amor) por ocasião de mais um fim do conturbado namoro do poeta com Ophélia. Fernando Pessoa já não podia mais remendar seus afetos, e numa atitude de coragem escreveu sobre este fim. É uma bela carta de amor -ridícula, como tantas- intensa como foi tudo que Pessoa sentiu, ou fingiu sentir.Espero que gostem.]

sábado, 14 de agosto de 2010

Bandeira e suas bandeiras.Rsss


TERESA
Teresa, se algum sujeito bancar o sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredita não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA.
Manuel Bandeira (1886 – 1968),

Para Gabriel: "A falta que ama"

Este é um texto que eu não gostaria de escrever, mas apesar de não querer, não poderia deixar de falar da passagem dessa pessoinha em minha vida. Ah, não tem adjetivos pra descrever a importância de meu amor Biel para mim, para minha vida e para toda a família Castro. Muitos não conseguem alcançar a dimensão desse amor e não compreenderão esse desabafo, essa confissão. Porém, os que me conhecem sabem que o meu Biel, não foi simplesmente um gato - Foi o meu gato Biel. A pessoinha mais linda do meu mundo, mais importante do meu mundo (desculpem amigos e parentes) os amo, mas eu posso lhes dizer do gatinho que tive - ele foi a pessoa mais importante que tive em minha vida -Esteve sempre junto de mim, foi meu fiel escudeiro, meu Sancho Pança, meu caroço de tucumã, meu soldadinho de chumbo, meu olho de mar azul, meu baobá, a calda de chocolate quente que derretia o coração da gente, meu gatinho memês. A família toda sente sua partida, e eu sofro o triplo dessa dor, porém não podia mais prendê-lo aqui com as missões que determinei a ele, e que ele tentou cumprir. Cuidamos um do outro o tempo todo, mas eis que o meu Deus, aquele que ama os gatinhos de rua e Fernando Pessoa o chamou para o céu dos gatinhos.Quando o vi dodói, me olhando com uma carinha de quem não queria ir embora, lembrei da personagem Baleia de Graciliano e imaginei que ele me olhava e ficava se imaginando em outro mundo, um mundo onde ele iria encontrar a mãe, a Felícia, onde teria um lindo quintal em que ele pudesse correr, comer capim, e onde ele acordaria feliz, lambendo a mão de uma Sali e um Nilson enorme, e continuariamos a ser felizes como fomos sempre.Estou vazia, vazia de Biel, com uma tristeza enorme dentro de mim. Estou reaprendendo um pouquinho cada dia a ser sem ele, a ir ao supermercado e não comprar latinha e areinha,  a não levantar o lixo antes de deitar, a não deixar portas abertas para não bater e machucá-lo, a não levantar escondida no meio da noite pra não acordá-lo, mas o pior de tudo, é reapreender a não ser acordada com seu miau, ou com sua tolice de fingir que queria vomitar, só pra eu levantar e atendê-lo.Não cantar a musiquinha do bom dia, chegar em casa e não ser recebida por seu carinho. A tal "falta que ama" drummondiana, a ausência que maltrata aqueles que ficam. Meu gatinho foi muito amado por todos nós, por isso viveu muito. Eis o antídoto da longevidade, o Amor, o verdadeiro Amor.


Se alguém pudesse ser um siboney
Boiando à flor do sol
Se alguém, seu arquipélago, seu rei
Seu golfo e seu farol
Captasse a cor das cores da razão do sal da vida
Talvez chegasse a ler o que este amor tem como lei
Se alguém, judeu, iorubá, nissei, bundo,
Rei na diáspora
Abrisse as suas asas sobre o mundo
Sem ter nem precisar
E o mundo abrisse já, por sua vez,
Asas e pétalas
Não é bem, talvez, em flor
Que se desvela o que este Amor
Se alguém, cantasse mais do que ninguém
Do que o silêncio e o grito
Mais íntimo e remoto, perto além
Mais feio e mais bonito
Se alguém pudesse erguer o seu Gilgal em Bethania...
Que anjo exterminador tem como guia o deste Amor?
Se alguém, nalgum bolero, nalgum som
Perdesse a máscara
E achasse verdadeiro e muito bom
O que não passará
Dindinha lua brilharia mais no céu da ilha
E a luz da maravilha
E a luz do amor
Sobre este amor.


         


[Este texto foi escrito no dia 06, mas só hoje tive vontade de postá-lo, a saudade ainda é enorme, a falta que ele faz em minha casa, em minha vida, não se explica, sente-se. E como dói. Agradeço aos que deram amor a ele, e aos que se sensiblizaram com sua partida.]

domingo, 1 de agosto de 2010

Eu não concordo...


Eu não concordo com a descida dos corações amantes à terra dura. Assim é, será e foi desde tempos imemoriais: eles seguem pelas trevas, os sábios e os belos. Coroados de lilases e de louros, eles partem; mas eu não me conformo. Amantes e pensadores, contigo, dentro da terra, transformados na poeira morna e cega. Um fragmento do que tu sentias, daquilo que tu sabias, uma fórmula, uma frase apenas restou - mas o melhor está perdido. As respostas rápidas e vivas, o olhar honesto, o riso, o amor - estes partiram. Partiram para alimentar as rosas. Os botões serão meigos, elegantes e perfumados. Eu sei. Mas eu não aprovo. Mais preciosa era a luz em teus olhos que todas as rosas do mundo.

Fundo, fundo, fundo na escuridão da cova, docemente, os belos, os ternos, os bons, calmamente eles descem, os inteligentes, os espirituais, os bravos. Eu sei. Mas não estou de acordo. E eu não me conformo.
(Edna St Vincent Millay, traduzido por Roberto Freire)

[Lembrava vagamente desse texto, li certa vez na agenda de minha irmã, eu era menina, e pensei pensei sobre ele, mas não tinha a ideia verdadeira de seu significado.A vida foi passando e eu fui crescendo, me deparei com algumas perdas, mas ainda assim, não cheguei a sua significação. Minha irmã perdeu um grande amigo, e comecei a entender um pouquinho.Mas há 5 anos atrás perdi um grande amigo, exatamente no dia 01 de agosto de 2005, naquele momento lembrei do texto, porém só lembra do início e dizia para mim mesma "eu não concordo com a descida dos corações amantes à terra dura". Hoje lembrei novamente e resolvi procurá-lo na internet, eis o texto todo, parace que está na introdução de um livro de Roberto Freire (o anarquista).Hoje diante de mais uma perda, continuo não concordando com a forma de como as pessoas que amamos nos deixam.Meu amigomenino gato Biel está indo,sei que sobrevivemos as perdas, Daniel me ensinou isso, "mas eu não concordo...eu não me conformo..." Fico fraca sem meu kriptonita, sem sua presença em minha vida, acho que nem sei ser sem ele.Só o tempo ensinará que a vida precisa seguir seu curso.]

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