domingo, 31 de janeiro de 2010

"Gosto quando a chuva molha o meu rosto..."



Casa Pré-Fabricada



Abre os teus armários, eu estou a te esperar
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar
E fazer do teu sorriso um abrigo
Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais

Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão
Nessa espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela, a primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota

Canto que é de canto que eu vou chegar
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz
Tristeza nunca mais

(Los Hermanos)




O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
(Adélia Prado)


Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma.Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro…há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo.Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu…Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força.Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer.Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão.Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.




Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar
como entrei no inexpressivo
que sempre foi a minha busca cega e secreta.
De como entrei
naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo,
e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam
existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir
- nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio.
(Clarice Lispector)



Oriente
Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha
Vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo merece
Consideração

Considere, rapaz
A possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão

Pela curiosidade de ver
Onde o sol se esconde
Vê se compreende
Pela simples razão de que tudo depende
De determinação
Determine, rapaz
Onde vai ser seu curso de pós-graduação
Se oriente, rapaz
Pela rotação da Terra em torno do Sol
Sorridente, rapaz
Pela continuidade do sonho de Adão
(Gilberto Gil)





Ela que descobriu o mundo
E sabe vê-lo do ângulo mais bonito
Canta e melhora a vida, descobre sensações diferentes
Sente e vive intensamente
Aprende e continua aprendiz
Ensina muito e reboca os maiores amigos
(...)
Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda
Escreve diários...
E lava os cabelos com shampoos diferentes
(...)
E brinco para a orelha, bolsa de couro, namora e é amiga
Tem computador e rede, rede para dois
(...)
Procura o amor e quer ser mãe, tem lençóis e tem irmãs
Vai ao teatro, mas prefere cinema
Sabe espantar o tédio
(...)
Tédio não passa nem por perto, é infinita, sensível
Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda
(Marisa Monte/Gerânio)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

" O Meu olhar é nítido como um girassol"

Meu primeiro escrito do ano recorre a receita de ano novo de Drummond e a experiência do olhar por Fernando Pessoa. Drummond diz que para ganharmos um ano novo, digno de receber tal nome, é preciso merecê-lo. E acrescenta que não adianta fazer lista de boas intenções, segundo o poeta, só há um lugar onde o ano novo cochila: dentro de nós mesmos.É uma linda receita, vale a pena segui-la. Sempre digo que tenho dois momentos de ano novo: janeiro e março. Nasci em janeiro, adoro meu mês, mas sempre volto a nascer em março.É um mês especial para mim, por suas águas, elas sempre me trazem boas novas. 2009 foi difícil, porém importante. Encontrei aquele que veio ser o meu Consolador -Jesus- e  o que era cinza se foi e voltei a viver. Hoje quero falar do que espero deste ano que para mim está começando, é nele que meus desejos esperam ser acordados Espero fazer com que ele mereça ser chamado Novo realmente. Como não poderia deixar de ser, escolhi Fernando Pessoa como lema para meu ano novo. A escolha é dupla: primeiro deve-se ao meu amor por ele, e segundo por festejar meu feliz encontro acadêmico com sua poesia. Este poema é de Alberto Caeiro, foi escrito em março de 1914 no "dia triunfal", quando Fernando Pessoa numa espécie de extase deu vida aos heterônimos considerados perfeitos, o poeta  fala da experiência do "olhar". O olhar antecipa o ver. Quem não olha, não consegue ter o pasmo essencial de que fala Caeiro. É o que mais me chama a atenção neste poema, esse Olhar as coisas como se fosse a primeira vez. Saber dar por isso, eis a mágica da poesia. Andei pensando em desejos, sonhos, metas e objetivos para 2010. Um deles já está fadado, os outros estou em busca. Quero muito que minha experiência com àquelas pessoas seja melhor, quero poder me doar mais, sei que posso. Bem, Pasárgada já não é mais sonho, isso não quer dizer que deixei de amá-la. Isso não, aquelas águas serão sempre minhas e guardarão grandes momentos, regados a vinho, poesia e papos existencias. E não descarto a possibilidade de ter meu último andar por lá. Ele é quem sabe. E minha Sofia? Bem este sonho continua guardadinho com cheiro de coisa nova, esperando o momento certo de vir a ser. Estou feliz, sinto-me num grande momento , de crescimento. Acho que percebemos que crescemos quando aprendemos a lidar com as perdas, e extrair delas o bem. Hoje eu sou assim, desde aquela morte necessária, e como diz minha grande amiga "é preciso morrer para nascer/ sobrevida, não é vida", ensinamentos do S.S.A.P.S. Desejo a todos que passarem por aqui, um lindo ano e merecidamente novo, que a poesia  encha de cor nossas vidas. Que possamos estar sempre acordados para o novo. Que saibamos abandonar o que não causa o bem, para nós e para o outros. Vivamos tudo em cada vão momento, e com Ricardo Reis "aprendemos que a vida passa (...) e enlacemos as mãos". Carpe Diem para todos. Feliz Ano Novo!!!Beijos no coração. Fernando Pessoa para vocês.


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
(Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914)

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