sexta-feira, 29 de maio de 2009

Quem nunca sonhou com Pasárgada?

"Vou me embora pra Pasárgada"

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um rocesso seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der Vontade de me matar-
Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
(Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90)

"Minha Pasárgada"
Quem nunca sonhou com um paraíso perdido como o do poeta, onde nos despimos das desventuras para vivermos as aventuras? Manuel Bandeira foi mestre em reconhecer a beleza das coisas simples, sua poesia reside em detalhes tão pequenos, que a olhares menos atentos não são perceptíveis. Homem vestido em menino cantou a vida em poesia. Nem mesmo o peso da tuberculose conseguiu manchar sua poética. Com bom humor esperou a morte -não sentado- ao contrário, preferiu seguir a prescrição médica e tocar um tango argentino . Suas linhas revelam uma existência embebida em terna poesia. Batizando a Semana de 22, deixou um legado de modernidade para a literatura brasileira, e assim eternizou-se como nossa "Estrela da vida inteira". E como ele, quem nunca sonhou com uma Pasárgada? Shangrilá, País das Maravilhas, Ilhas encantadas? A literatura é terra habitada por espaços suspensos. Crianças ou não todos nós já nos pegamos visitando esses lugares, ou desejando que um pó do pirlim pim pim ou o caroço do menino Alfredo nos levasse para longe da vida sem tempo das grandes cidades. Hoje quero falar de minha Pasárgada. Poderia ser a Bahia, ou as Minas Gerais, Lisboa, França, Grécia...ou qualquer outro lugar sonhado. No entanto minha Pasárgada fica logo ali, alguns talvez, sintam-se decepcionados por minha escolha, mas os perdoarei, pois eles não sabem o que dizem. A simplicidade de Bandeira entenderia meu encanto. Lá "Sou amiga do rei" , lá "a existência é uma aventura de tal modo 'inquietante' ". Vigia com suas ruas estreitas, mal iluminadas, e muitas vezes maltratadas. Vigia das conversas ao pé de São Pedro, protetor dos homens que se aventuram no mar. Vigia dos passeios de bicicleta na madrugada. Vigia das grandes águas e das chuvas misteriosas. Vigia das esquinas musicais. Vigia dos papos intermináveis regados a vinho. Da filosofia ao pé da igreja de pedra...Vigia dos grandes amigos. Em Vigia a vida sem tempo perde seu sentido, e alcança ares de paraíso perdido. Aquele já sonhado pelo poeta. Não importa onde fica sua Pasárgada, o importante é aventurar-se no sonho. Ave a poesia de Manuel e suas bandeiras!! Ave nosso maior poeta menor!!!Viva la vida!!(Fonte: flickr.com/photos/murilodeirane/2652104983/ )


sexta-feira, 15 de maio de 2009

"Eu gosto de Adriana Calcanhoto.. e você tem que gostar também".

Contrariando Pessoa te recordo. Desde sua viagem, muito já se passou em nosso planeta...Sinto tua falta: tua gargalhada, teu humor mal humorado, teu amor desconcertado. Mas a ausência drummondiana ensinou-me a viver sem tua presença física. Este momento é para você, seja lá em que planeta te encontres: regando teu baobá, cuidando de tua rosa, de teu vulcão e rindo de mim. "Porque há em nós, por mais que consigamos/ Ser nós mesmos a sós sem nostalgia, / Um desejo de termos companhia -/O amigo como esse que a falar amamos".
Estrelas
Para mim
Para mim
Estrelas
São para mim
Estrelas para mim
Estrelas
Estrelas
Para quê?
Para quê?
Para quê?
Estrelas para mim
Só para mim
Para mim
Para mim
Para mim
E a treva entre as estrelas
Só para mim
(Arnaldo Antunes/ Sérgio Brito)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Poeta, meu poeta camarada...


Perdoa essa postagem improvisada, mas é só pra dizer "que a vida não gosta de esperar...a vida é pra valer...a vida é pra levar...". Vinícius, simplesmente, Vinícius para vocês. Como um presente de poesia, apesar de triste, uma das "Ausências" mais lindas que conheci. Ao lado, claro, da "Ausência" sem falta de Drummond. Beijos com Amor.

Ausência
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.
(Fonte: MORAES.Vinícius.Poesia Completa. Nova Aguilar)

domingo, 10 de maio de 2009

A hora e vez de Clarice Lispector.

Quem se atreve a definir esta mulher? Enigmática, para Antônio Callado. Um mistério, para Carlos Drummond de Andrade. Insolúvel, para o jornalista Paulo Francis. Ela não fazia literatura, mas bruxaria, disse Otto Lara Resende.
Em maio de 1976, o jornalista José Castello, colaborador de O Globo, recebe a missão de entrevistar Clarice Lispector. Corre boato de que ela não quer mais saber de entrevistas, mas Castello consegue o encontro. Dialogam:
J.C. - Por que você escreve?
C.L. - Vou lhe responder com outra pergunta: - Por que você bebe água?
J.C. - Por que bebo água? Porque tenho sede.
C.L. - Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva.
Investigada por pesquisadores apaixonados no mundo todo, Clarice é uma das mais cultuadas escritoras brasileiras. Para muitos, das mais importantes do século 20, no mundo.
Clarice nasceu na aldeia Tchetchelnik, Ucrânia, que de tão pequena nem figura no mapa, em 10 de dezembro de 1920, quando os pais Pedro e Marieta, junto das filhas Elisa e Tânia, estavam emigrando para o Brasil. Pararam naquele lugar apenas para Clarice nascer. Com dois meses de vida desembarcava com a família em Maceió, onde viveu por três ou quatro anos. Mudam depois para o Recife. Em 1929, aos nove anos, perdeu a mãe.
Guardo de Pernambuco até o sotaque. Quem vive ou viveu no Norte tem uma fortuna de ser brasileiro muito especial.
A menina já escrevia suas historietas, sempre recusadas pelo Diário de Pernambuco, que mantinha uma página infantil, porque elas não tinham enredo e fatos - apenas sensações. Adolescente, segue com o pai e as irmãs para o Rio de Janeiro. Termina o secundário. Dá aulas de português para contornar a crise financeira da família. Entra na Faculdade Nacional de Direito em 1939. No ano seguinte perde o pai. Trabalha como redatora no jornal A noite, onde publica contos. Em 1943, casa com o diplomata Maury Gurgel Valente.
Entre muitas leituras, lia Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Dostoievski "embora não o aprendesse em toda a sua grandeza" e descobriu por acaso Katherine Mansfield à qual foi equiparada posteriormente.
Perto do coração selvagem, o primeiro romance, escrito aos 19 anos é publicado apenas em 1944. A jovem revelação desnorteia a crítica. Há os que buscam influências, invocam certo temperamento feminino. Outros não a entendem.
Não sei o que quero e, quando descobrir, não preciso mais. Acho que quero entender. Quando escrevo, vou descobrindo, aprendendo. É um exercício de aprendizagem da vida.
Viveu em vários países, acompanhando o marido. Nápoles, Berna, Washington se revezam com passagens pelo Brasil. A vida de mulher de diplomata não lhe agradava. De Paris, em janeiro de 1947, escreve às irmãs:
Com a vida assim parece que sou "outra pessoa" em Paris. É uma embriaguez que não tem nada de agradável. Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês. É qualquer uma.
No exterior lhe nascem os dois filhos, Pedro e Paulo. Mãe, Clarice divide-se entre as crianças e a literatura, escrevendo com a máquina apoiada nas pernas enquanto cuida de seus pequenos.
Separada do marido em 1959, volta ao Rio de Janeiro com os filhos. Mais um período de dificuldades afetivas e financeiras apesar de já ser escritora famosa com obras publicadas no exterior. Nesta época publica contos encomendados por Simeão Leal na revista Senhor. Em toda a década de 1960, colabora em vários jornais e revistas para sobreviver, faz traduções. Em 1969, já era autora de obras importantes como O lustre (romance, 1946); Laços de família (contos, 1960); A maçã no escuro (romance, 1961); A paixão segundo G.H. (romance, 1964); Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (romance, 1969). Incomodava-se com sua mitificação: Muito elogio é como botar água demais na flor. Ela apodrece.
Clarice morreu de câncer em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos. Meses antes concedeu célebre entrevista a Júlio Lerner, da TV Cultura. Ela acabava de terminar A hora da estrela. Escrever era vital para a misteriosa Clarice. Na última entrevista confessava: "Quando não escrevo, estou morta".
Em 1975, convidada a participar do Congresso Mundial de Bruxaria na Colômbia, limitou-se à leitura do conto O ovo e a galinha, um conto que não compreendia muito bem, declarou. Na década de 1990, o escritor Otta Lara Resende advertiu José Castello, que escrevia biografia de Clarice: "Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria".
(Fonte: Clarice Lispector. Ânsia e Perplexidade)
Em “Morte e Vida Severina”, João Cabral termina com a seguinte frase “é difícil defender só com palavras a vida”. Parto dessa sentença para falar um pouco de Clarice Lispector, e em especial, da composição do universo feminino em sua obra. Mulher de personalidade forte e intrigante, seu ar de mistério envolve-nos e nos conduz a um passeio dentro de nós mesmas. A publicação de sua primeira obra, Perto do Coração Selvagem, em 1944, dividiu a opinião da crítica, rendendo a escritora amores e desamores. O que talvez não pudesse ser diferente, já que sua palavra afaga e ofende, costumo dizer que suas obras só nos apresentam a crise, o que ocorreu antes ou depois dela –diria Pessoa- “Sinta quem lê!”. Talvez os leitores românticos acostumados com o falso acolhimento da vida, achem-na crua demais. Mas Clarice não faz mais do que transpor a vida em palavras, ou seja, defendê-la, e como disse João Cabral, “é difícil”. A angústia vivida diante do papel em branco, foi um dos grandes dramas vividos pela escritora "Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. E se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria: como é que se escreve? Por que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como é que se começa? e que é que se faz com o papel em branco nos defrontando tranquilo?". A luta travada com a linguagem fazem de sua obra um emaranhado de palavras cortantes, onde passeiam grandes mulheres . São Anas, Lauras, Carlas, meninas, mães, irmãs, amigas. Considero, Clarice Lispector, a presença feminina mais viva e forte da Literatura. Ler Clarice é ler um pouco de nossa história como mulher, o realismo com que compõe suas personagens nos coloca de diante de um espelho.Personagens, leitoras e autora confudem-se no desfolhar do universo feminino. Mulheres comuns que andam nas ruas, trabalham, lutam, amam, sofrem, riem, que num processo epifânico encontram-se com seus mais íntimos desejos. Ouvi de uma aluna, que se deparou com a obra de Clarice pela primeira vez a seguinte frase "Ela é linda, mas tive medo". Isso nos põe diante do poder de vida e morte, de bem e mal, que sua obra desperta naquele que se aventura em suas linhas. Para Simone de Beavoir "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher", tomo a ousada liberdade feminina para acrescentar que através das obras de Clarice aprendemos a nos tornar mulher. Uma das grandes mulheres clariceanas é "Laura" do conto "A imitação da Rosa", mulher metódica, sem muitos atrativos "Seu rosto tinha uma graça doméstica, os cabelos eram presos com grampos atrás das orelhas grandes e pálidas. Os olhos marrons, os cabelos marrons, a pele morena e suave, tudo dava a seu rosto já não muito moço um ar modesto de mulher. Por acaso alguém veria, naquela mínima ponta de surpresa que havia no fundo de seus olhos, alguém veria nesse mínimo ponto ofendido a falta dos filhos que ela nunca tivera? ". Não sabemos ao certo o que acontecera a esta mulher, sabemos apenas pelo narrador que "agora que ela estava de novo "bem" " . Parece ter saído de uma clínica, mas não há uma informação clara sobre isso. Seu momento de epifania ocorre quando Laura se depara com a beleza de umas rosas que trouxera da feira por insistência do vendedor, neste momento, ela passa a sentir-se incomodada com a beleza daquelas rosas. A partir disso, tudo aquilo que Laura procurava esquecer, volta, porém não sabemos nada sobre esse "tudo". A dor da existência é o que move esta narrativa, que sensibiliza pela fragilidade da personagem. A leitura vale por tudo e para tudo. Clarice está em todas nós, e aqui aproveito para homenagear grandes mulheres que fazem parte do universo que a autora bebeu para compor suas personagens - a vida - São elas: Tabita, Simone, Sarah, Suely, Lirian, Elaine, Marilene, Sofia, Saty, Selma, Lily, Veca, Juruema, Soraia, Vasti. Cada uma com sua porção clarice. Literatura é vida que pulsa através da palavra. Clarice é palavra que jorra vida. E por essas e outras que creio que a Literatura é grande aliada no caminho daqueles, que a tem como Vida. Felizes os convidados para esta ceia.

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