segunda-feira, 21 de junho de 2010

O ano da morte de José Saramago


Palavra prima
Uma palavra só, a crua palavra
Que quer dizer
Tudo
Anterior ao entendimento, palavra

Palavra viva
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
Muda
Feita de luz mais que de vento, palavra

Palavra dócil
Palavra d'agua pra qualquer moldura
Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra

Palavra minha
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra

Talvez à noite
Quase-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra

Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento, palavra
(Chico Buarque/ Uma palavra)


[Saramago deixou esse mundo. Mundo caótico, que ele tão bem soube expressar através de suas palavras visionárias, de seu humor livre e sua escritura moderna. A palavra está orfã de seu gênio, e nós de sua obra.Dá uma angústia saber que não seremos mais agraciados com seus escritos.Estou lendo Caim, a cada linha, sinto que não haverá outro igual, e penso que todos em algum momento da vida deveriam ter o direito de um encontro com a obra de Saramago.Infelizmente, não é possível, e temo por aqueles que não tiveram e nem terão.É isso, esse negócio de literatura mexe com a gente.Dói, às vezes fere.]

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